MARTA

MARTA
O ADEUS PRECOCE DA MINHA ESTRELA MAIOR

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O 25 DE ABRIL DE 1974


A Marta tinha três meses quando se deu a Revolução do 25 de Abril de 1974. A partir dessa data, o nosso país sofreu  grandes modificações políticas e sociais.
25 de Abril de 1974 - largo do Carmo
Tanto eu como o Zé éramos muito jovens e há muito que desejávamos essas mudanças no velho regime, por isso esperávamos que a Revolução do Movimento das Forças Armadas viesse a  transformar Portugal num país democrático, como na verdade veio a acontecer, onde todos os cidadãos pudessem participar na escolha dos governantes, onde não houvesse censura, nem polícia politica e sobretudo que acabasse com a guerra no Ultramar, a qual parecia nunca mais terminar.
           Vivíamos intensamente todas essas mudanças, necessárias para a libertação do  país de  40 anos de ditadura, mas como tínhamos as crianças muito pequenas não nos era possível uma participação mais activa.
1º de Maio de 1974
 Foi com enorme e grande entusiasmo que participei na grande manifestação do 1º de Maio de 1974. Fui ter com o tio Zé Varela e a Tia Maria Emília  à casa deles, na Praça de Londres e daí partimos para a manifestação. 
O Zé ficou com as crianças e os meus pais a verem pela televisão toda aquela  enorme multidão que  saiu da Alameda Afonso Henriques, subiu a Av. Almirante Reis para se dirigir ao estádio 1º de Maio, onde os principais dirigentes políticos puderam usar da palavra. Tudo era novo e apaixonante para quem nunca tinha podido expressar livremente as suas ideias.

NASCIMENTO

MARTA 3 SEMANAS

            Numa tarde fria de Inverno, pelas 16 horas, do dia 21 de Janeiro de 1974, nasceu a Marta na Clínica de S. Gabriel em Lisboa. Para vir ao mundo a Marta teve que lutar muito, pois tanto a gravidez como o parto foram bastante conturbados. Sinais constantes  de aborto, obrigaram-me a tratamentos constantes e a um repouso que me deixavam muito nervosa e ansiosa. Com sete meses de gravidez, voltei a ter sinal de aborto e por isso  tive que ter mais repouso, para ver se o bébé nascia na data prevista. Quando faltavam umas duas semanas, eu, o pai e a Rita resolvemos ir de malas e bagagens  para Benfica, para casa da avó Amélia e do avô Vitalino para ficarmos mais perto da clínica.
Entrei na Clínica dia 20 por volta das 10 horas da noite. Sentia grandes contracções e estava na data prevista para o parto. O meu médico assistente era o director da clínica e eu sentia-me apoiada, além disso, a Rita tinha também nascido ali e apesar de ter nascido de cesariana, tudo tinha corrido bem.
MARTA E MÃE ZUZU
O médico convenceu-se de que como era o segundo filho, eu teria um parto normal, então, devido a essa ideia do obstetra tudo se complicou. Comecei em trabalho de parto, com muitas dores,  mas a dilatação não se fazia, e o sofrimento começou a ser muito grande.
 De tempos a tempos, aparecia uma enfermeira e eu pedia-lhe que chamassem o médico, pois sentia que não aguentava por mais tempo, tantas dores. Passadas não sei quantas horas, para mim foram uma eternidade, comecei a descontrolar-me e penso mesmo que perdi os sentidos. Chamaram o médico e imediatamente fui para a sala de operações, onde me foi feita uma cesariana. Nasceu uma menina perfeita, mas já com sinais visíveis de sofrimento, por isso a bébé foi para a incubadora onde esteve cerca de doze horas. Só no dia seguinte vi a minha bebé.
1 ano de idade
Partilhei o quarto da Clínica com uma jovem parturiente inglesa que dera à luz um rapaz. Ela disse-me que se tivesse tido uma rapariga  chamar-se-ia Marta. Fiquei a pensar no nome, que me soou bastante bonito e imediatamente pensei que a minha bébé chamar-se-ia Marta.
Como gosto de nomes pequenos, logo ficou decidido, que este seria o seu nome.
A Marta sempre gostou muito do nome dela e às vezes, chamávamos-lhe de uma forma carinhosa  Martinha ou Martocas.
Foi uma bébé muito saudável e bem disposta. Quando fez um ano de idade já andava e dizia algumas palavras. O facto de conviver com crianças, um pouco mais velhas que ela, do prédio, da rua e com os primos, desenvolveu-a e tornou-a muito sociável.

10 ANOS - JÁ ÉS UMA MULHERZINHA....

Aniversário - 10 anos - dia 21 Janeiro de 1984 

A Marta nunca aceitou que "brincassem" com ela, e facilmente passava da boa disposição a amuada quando algumas palavras ditas por nós não lhe agradavam; nesses momentos eu chamava-lhe "Baleiruça" o que ainda mais agravava a situação, pois ela sabia que este termo se referia ao feitio sério e rigoroso do lado paterno, que raramente aceitam ou admitem uma "brincadeira".
A Marta teve um desenvolvimento físico e mental muito precoce. A passagem da infância para a adolescência foi feita muito rapidamente, o que originou que a Marta "sofresse" todos os estádios de desenvolvimento da adolescência duma forma bastante abrupta dando origem a grandes conflitos interiores, pois ela sentia-se já uma adolescente e nós ainda não estávamos mentalizados para essa mudança.
DECORAÇÃO DA SALA PARA A FESTA DE ANOS,
FEITA PELA MARTA
O seu corpo desenvolveu-se muito, bem como a sua postura perante a vida e perante os outros. Sempre foi muito responsável e conhecia bem os limites para as suas exigências.
Às vezes, quando eu não a deixava ir onde me pedia, chorava e dizia que esperava ansiosamente os 18 anos, pois com essa idade, ela poderia fazer tudo o que quisesse.
FESTA DOS 10 ANOS DA MARTA - O COMBÓIO
O facto de a Marta ter passado por todas estas transformações durante a adolescência duma maneira saudável, fizeram dela uma jovem adulta, consciente das suas responsabilidades familiares, sociais e profissionais (finalizar o seu curso, o mais rapidamente possível!).
Frequentava o 1º ano da Escola Preparatória de Massamá quando pela primeira vez foi menstruada. Sempre tivemos uma relação muito aberta e por isso quando chegou a casa disse-me o que lhe tinha acontecido. 


Nesse dia, 15 de Maio de 1984, escrevi no meu diário, este texto:
                               Marta
Chegaste a casa com um olhar diferente. Trazias os olhos brilhantes de expectativa e ao mesmo tempo de medo!
Hoje desabrochaste para a adolescência.
Como uma flor na Primavera que desabrocha, tu também te tornaste uma "mulherzinha".
MARTA, RITA E MÃE ZUZU
Hoje, no recreio da escola, tinhas sentido algo de anormal; um líquido quente que te sujava as cuecas!
Era a tua primeira menstruação! Com os teus 10 anos, começas a sentir o prazer de ser mulher!
Contudo és ainda uma criança!... Meiga, rebelde, exaltada, triste, alegre!
Eu senti nos meus 35 anos, como o tempo passa! Agora já tenho duas mulherzinhas em casa. Agora vais tu, a mais pequenina, começar a despontar e a abrir para a vida.
Sem me aperceber, vejo que as minhas filhas deixam de ser  "as minhas meninas" para se tornarem "as minhas mulherzinhas".
            Como ainda está perto o tempo em que eu te mudava a fralda! Como está ainda recente na minha memória a alegria que sentias quando te vias sem fraldas e gatinhavas por cima da cama, dando gargalhadas de alegria e de prazer!
Hoje é um dia especial para ti e para mim. A Primavera trouxe-te o presente de seres mulher.    
MARTA, AVÔ VITALINO  E AMIGUINHOS


MARTA, RITA, MÃE ZUZU E AVÓ AMÉLIA





A TERNURA DA MARTA

Rita e Marta 1993

Desde muito pequena, que a Marta nos demonstrava, em qualquer momento, o seu carinho, o seu amor e a sua ternura. Gostava muito de se agarrar a nós, abraçando-nos e dando-nos beijos em constantes  manifestações de ternura . Nem sempre nós, os adultos estávamos dispostos a receber tantas manifestações de carinho e por vezes afastávamo-la e "rejeitávamos" esses abraços e beijos, pois nem sempre estes eram dados nos momentos mais oportunos.
Sempre foi muito sensível e muito meiga e adorava sentar-se junto de nós para que lhe fizéssemos "festinhas" e lhe déssemos beijinhos. Ela e a Rita sentavam-se no sofá grande da sala muito encostadas uma à outra, enquanto viam televisão ou ouviam música, pois sempre se sentiram muito bem, próximas e juntas. Levavam horas a mexer nos cabelos uma da outra. Estas manifestações de carinho revelam bem o grande amor e a grande ternura que sempre ligou as duas irmãs.
A sua grande sensibilidade e a sua meiguice originavam-lhe, por vezes, grandes decepções e dissabores, pois uma palavra mais agressiva ou um gesto mais brusco da nossa parte, eram suficientes para lhe provocarem um "grande desgosto" e, algumas vezes, tinha grandes manifestações de choro e de tristeza deitada em cima da cama, onde se refugiava..
A adolescência da Marta, devido ao seu carácter sensível e meigo, foi vivida com algumas manifestações de tristeza e, às vezes, eu como mãe, sentia-me bastante confusa e impotente para poder resolver tantos conflitos interiores e tantos "desgostos" de adolescente. À hora de deitar, passávamos as duas, longos momentos de conversa para tentarmos "solucionar" esses "problemas" que tanto perturbavam a Marta. Sempre houve entre mim e a Marta uma grande ligação afectiva e apesar de muitas vezes nos aborrecermos e nos chocarmos, dando ocasião a algumas "discussões"  e a pequenos conflitos, estes eram facilmente resolvidos, pois tanto a Marta como eu, nunca conseguimos arrastar por muito tempo uma situação desagradável.
Marta na Lagoa Azul 10 anos
Nas vésperas de Natal de 1984, tinha a Marta 10 anos, tivemos uma "briga", já   não sei precisar qual o motivo, mas sei que nessa  noite, escrevi no meu diário o seguinte:
                                
                    Natal de 1984
            Querida Marta
Hoje fui má! Dentro de mim há um bichinho que me faz má! Sem querer ofendi-te! Sem me aperceber que te estava a magoar, fui dizendo palavras que te feriram e magoaram, depois não tive coragem suficiente para dizer que tinha errado. Não fui capaz de te dizer que nós mães também erramos e que somos "duras" sem razão.
Tinhas um cartão para me ofereceres, onde tinhas escrito aquilo que o teu coração sincero tem lá dentro; zangada foste rasgá-lo!
Eu não merecia as tuas palavras lindas, lindas e belas, porque eu fui má!
Quando fui ao teu quarto, vi bocadinhos de papel, todos amarrotados, todos rasgados como estava o teu coração de menina boa e meiga. Juntei bocadinho a bocadinho e encontrei a melhor prenda de Natal, que até hoje tivera...

RECADO DA AVÓ AMÉLIA

Martinha
Querida Neta



Avô Vitalino, Avó Amélia, Rita c7 3anos, Marta c/ 5 meses
Hoje, dia 1 de Dezembro de 1999, é a primeira vez que te venho escrever, sei que a tua mãe todos os dias te escreve, mas eu não tenho tido coragem para o fazer. Quando vou a casa da tua mãe e ela te está a escrever não me sinto bem, as recordações vêm mais ao cimo da terra.
Querida, deste que tu partiste a avó e o avô nunca mais tiveram a alegria que tinham, eramos todos tão felizes com a tua presença!...
A tua irmã e a Patrícia são para a avó muito meiguinhas, mas nada tapa a tua falta. Gosto de as ver juntas, mas sofremos muito, tanto eu como o avô.
A toda a hora me lembro de quando ias dormir a casa da avó, em Benfica, e trazias vestido o  teu casaco preto que agora é meu, e que me fica muito bom.
Avó Amélia, Rita c/ 3 anos e Marta c/ 5 meses
Sabes,  querida neta, ainda ando de preto, como me sinto tão triste por dentro, não me atrevo a vestir de cor; mas talvez para o ano de 2000 já me vista como me calhar.
Mas, como eu ia a dizer, quando estou na minha casa de Benfica e chego à janela que dá para a praceta, estou sempre a ver-te com o casaco preto vestido, a voltares-te para trás para me fazeres adeus, até desapareceres na curva.
E quando eu vou a Massamá, estou sempre a lembra-me de quando eu jantava com vocês, a avó ficava a lavar a louça na cozinha, pois naquele tempo a tua mãe não tinha máquina, tu ias com os teus pais e a Rita para a sala, porque queriam ver um programa na televisão, mas tu não estavas bem, e de 20 em 20 minutos vinhas à cozinha dizer-me: -“Avó, ainda não acabaste de lavar a loiça, eu venho ajudar-te!”.
E eu sempre com a minha boa disposição dizia-te: - “ Não filha, a avó já acabou, já me vou sentar ao pé de vocês!...”
Tu dizias: “ - Pois claro avó, não tem jeito nenhum , nós a vermos televisão e a avó a lavar a loiça!”
Courela do Avô Vitalino 1 Dezº 1994
Marta, avô Vitalino, Paulo, Zé, Tio Zé Manel, Zuzu e André
Sabes querida, o avô continua a ter um grande entusiasmo com a Quinta, que tu visitaste com o Paulo, da última vez que vieste a Casa Branca. O avô tinha lá umas grades com garrafas vazias da Água da Carasona, que ainda por lá andam. O tio Zé Manuel até as quer tirar de lá, porque está sempre a “ver-te”
muito bem disposta como sempre, a mostrares ao Paulo as garrafas de água da propriedade que vocês andavam a arborizar.
Como parecias ser minha neta, com esse feitio sempre bem disposto!... A avó, graças a Deus, ainda assim se conserva, os desgostos e as arrelias são só para nós. Sabes querida, é assim o meu feitio desde miúda, mas também me habituei a ser assim por causa do estabelecimento, quando ía para o balcão, as arrelias  e as tristezas ficavam atrás da porta, e por isso nós tínhamos tanta clientela  no estabelecimento!
Sabes, a Patrícia vive já com o Fernando, gostam muito um do outro e dão-se muito bem, compraram casa na Brandoa, perto dos pais, na mesma rua, é um 3º andar, a casa é bonita e acolhedora.
No dia 4 de Dezembro, o avô faz 77 anos. Quer matar um porco e convidar toda a família, os tios e sobrinhos, para viram cá todos. A avó já não tem vontade destas coisas, mas que lhe hei-de eu fazer!?... Já estamos casados há 52 anos e fomos sempre muito amigos.
Martinha, quando tu fizeste 20 anos, quando eu cheguei lá a casa dos teus pais, eu levava um fio de ouro, que tu nunca tinhas visto. Abriste-me a porta e disseste. -“ Oh mãe, venha cá ver a avó que vem  tão bonita, e que bem que lhe fica o fio de ouro justinho ao pescoço!...”
E eu, muito feliz, disse-te. “Olha querida ainda é de solteira!”. Tu ficaste muito admirada por nunca o teres visto, então eu tirei-o do meu pescoço e fiz o gesto de o pôr no teu.
Então tu disse-te logo: “ Oh avó,  fica-lhe tão bem que eu não o quero, deixe-o estar!” .
E eu respondi-te: “Não querida eu fico mais satisfeita em vê-lo em ti, pois sei que gostas muito dele!...”
Esse fio ficou a tua irmã Rita com ele. Entretanto, comprei outro para a Patrícia. Quando te ofereci o fio, pensei logo comprar dois, uma para a Rita e outro para a Patrícia, mas infelizmente, apenas precisei de comprar um para a Patrícia.
No dia dos teus anos, saíste à rua para me comprares um cartãozinho para me agradeceres o fio, tenho-o no meu quarto emoldurado com uma fotografia tua. Tanto eu como a tua mãe temos por todas as casas, quarto e sala, fotos tuas, a tua mãe tem uma tua na estante da cozinha, onde estás de corpo inteiro muito bonita , como sempre.
Sabes Martinha, querida neta, quando saio à rua estou sempre a ver miúdas parecidas contigo, não te sei explicar se fico contente se triste, não sei bem o que sinto. As saudades renovam ...
Será que ainda nos vamos encontrar um dia? Tenho momentos em que acredito nisso, noutros não sei, sou franca!
Como tu sabes sou católica, mas Deus me perdoe não sei o que dizer. Mas tenho a certeza que tu estás num bom lugar no Céu, porque tu eras um Anjo na Terra e agora estás no Céu.
Beijos dos teus avós que nunca te esquecem   Vitalino e Amélia