MARTA

MARTA
O ADEUS PRECOCE DA MINHA ESTRELA MAIOR

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

MARTA

Menina, Meiga, Boa, Sincera
Amiga de todos  era.
Revoltada com as injustiças,
Tolerante, compreensiva
Amava todos e todos a adoravam.


 Junho1995
Zuzu

A MINHA MENINA PARTIU


A minha menina partiu
Dois anjos a levaram
Não teve tempo para dizer:
"Não quero ir..."
Eles nada lhe perguntaram.
Pegaram-lhe e levaram-na através dos Céus,
Dos Céus infinitos...
Ela não soube que partiu...
Não teve tempo para me dizer "Adeus"
Não teve tempo para me olhar
Quando ma deram já o seu olhar não tinha olhar,
a sua mão não sentia,
já ela voava para a eternidade.
Vejo-te linda, serena, calma ...
O teu corpo de adolescente belo e perfeito.
Nada fazia prever que tu já não vivias... Parecias dormir...
Engano!... Estavas a partir para sempre.
Nunca mais os teus lábios pronunciarão a palavra "Mãe".
"Mãe", "Mãe" que tanto gostavas de dizer.
Eu nunca mais ouvirei da tua boca: "Mãe..."
Eu nunca mais chamarei: "Marta!..."


Massamá,16/6/1995

O ANIVERSÁRIO 21 ANOS

Dia 21 de Jan 95


A Marta pediu-me que não fizesse nada para os anos dela. Estava muito triste e não lhe apetecia fingir que tudo estava bem. Pediu-me que não lhe fizesse bolo de aniversário, almoçámos e depois de almoço, apareceu a Sara, amiga da Rita. Estivemos todos a conversar sentados à lareira, a avó Amélia estava connosco e também ela sentiu como a Marta estava triste e desgostosa. Pusemos a mesa para o lanche, lanchámos e por volta das 6 horas da tarde, telefonou o Zé Manuel Almeida dizendo-nos que o pai, o tio Zé Manuel, tinha dado entrada nas urgências do Hospital do Barreiro com um enfarte do miocárdio. Ficámos muito preocupados, pois a sua situação clínica parecia grave. Decidimos ir imediatamente para o Barreiro. A Marta , a Rita e a Sara foram para um café aqui perto de casa. Lembro-me de ter dito à Marta: "Oh, Marta, não vamos poder continuar o lanche dos teus anos, porque temos que ir fazer companhia à tia Maria José!... Além disso, temos ainda muitos anos para festejarmos os teus anos!..." . A Marta olhou-me com uns olhos muito tristes e disse-me:
" Não faz mal, nós vamos um bocado ao café e depois vimos para casa, não te preocupes!..."
Chegámos bastante tarde do Barreiro. A Marta e a Rita esperavam-nos sentadas no sofá da sala, muito juntinhas uma à outra. Sempre gostaram deste modo de  se sentarem, ou melhor, deitarem,  ficando aí “enroscadas” durante bastante tempo. Tinham ido buscar um filme de vídeo, tinham-no visto e agora conversavam uma com a outra.
Desde esse dia, a Rita nunca mais esteve com a Marta. Telefonaram-se durante os quinze dias que se seguiram, mas nunca mais se viram.
Durante a semana que passou, falei muitas vezes com a Marta. Estava combinado fazer-se a matança do porco, em Amareleja, no fim de semana, dia 28. Quando falávamos ao telefone, a Marta insistia comigo para que eu fosse com o pai à matança, pois ela também iria lá ter. Eu dizia-lhe que não ia pois não gostava de matanças e que sempre me fizera muita impressão ver tanta carne. A Marta voltava a insistir e eu voltava a dizer-lhe que não ia. Hoje, tenho pena  por não lhe ter feito a vontade, ainda ouço a sua voz ao telefone, muito meiga e doce, pedindo-me para que eu fosse.
Não fui. A Marta chegou sábado a Amareleja, vinha bem disposta e de boa saúde. Ajudou na matança, trabalhou imenso, e esteve sempre muito bem, com toda a sua genica e força.
O avô Vitalino também lá estava e a imagem, que guarda na sua memória, é a da Marta a correr pelo quintal fora, com os cabelos compridos levados pelo vento, para ir telefonar ao matanceiro, pois este estava a demorar-se. A Marta sempre foi uma pessoa muito activa, sempre pronta ajudar e a resolver as situações mais diversas que se  deparavam. Depois do jantar, fez um chá de limão para o avô Vitalino beber, pois este queixou-se que se sentia constipado e ela foi logo, muito resoluta, fazer-lhe um chá. Br Ajudou o Rodriguinho nos trabalhos da escola e brincou com o André, sempre teve muita paciência para os primos e adorava-os.
Falei-lhe nessa noite para a Amareleja, estava bem disposta e pensava ir na camioneta de Domingo das oito horas da manhã para Beja, pois tinha que aproveitar para estudar e descansar um pouco.

A semana de 30 de Janºa 3 de Fev.º

A semana de 30 de Janºa 3 de Fev.º

Costumo dizer que a minha ignorância em relação à medicina, fez com que eu não me apercebesse de como era grave o estado de saúde da Marta. Eu e todos aqueles que com ela conviveram nestes cinco dias.
Segunda-feira, dia 30, a Marta levantou-se cedo, como de costume, e sentiu-se adoentada. A Escola ficava bastante longe da casa da Marta e como a manhã estava muito fria e ela não se sentia suficientemente forte para enfrentar os graus quase negativos dos Invernos de Beja, resolveu chamar um táxi  que a levasse à Escola.
À noite, quando lhe telefonámos,  contou-me que tinha ido de táxi, pois sentia-se um pouco doente. "Parece-me que vou ter gripe!... Vou ver se tenho febre"- disse-me.
 Desliguei o telefone e não me preocupei mais com a saúde da Marta. Era Inverno, estava muito frio e tudo indicava que era uma gripe ou constipação que ela ia ter.
Terça-feira, 31, à tarde, depois de vir das minhas aulas, telefonei à Marta para saber como se encontrava. Não estava melhor, contudo tinha ido às aulas. Quando me atendeu o telefone, vinha muito ofegante, e enquanto falava comigo, eu sentia que estava com dificuldades para  respirar. Perguntei-lhe se tinha vindo a correr para atender o telefone e disse-me que não. Que, às vezes, ficava assim com muita dificuldade em respirar. Fiquei muito preocupada. Disse-lhe para marcar consulta no médico o mais urgente possível, e ela concordou. Passado algum tempo, voltei a ligar-lhe e já tinha a respiração normal.
Quarta-feira, 1 , a Marta continuou a  assistir às aulas, os exames estavam marcados e precisava das aulas para se preparar.
Foi ao médico, Dr. Luís Capela, médico de Clínica Geral, a trabalhar nos SAMS, e deve ter lá chegado muito cansada e muito nervosa. Penso que a Marta se estava a dar conta de que estava realmente doente. Queixou-se ao médico que andava doente, com um grande cansaço, que se tinha zangado com o namorado e que andava muito "stressada" com as frequências, penso que deve ter descrito um quadro clínico com o seu habitual à vontade e optimismo. O médico diagnosticou ansiedade, arritmias e nervoso!. Fez-lhe logo ali um electrocardiograma que deu um descontrolo enorme, com 120 pulsações por minuto. Voltou a fazer-lhe outro, depois de ter conversado com a Marta, deve ter-lhe dito para ela se controlar e descontrair e segundo parece, este novo electrocardiograma já não apresentava  sinais de doença, (ambos os electrocardiogramas sumiram, após a morte da Marta!). A Marta saiu do consultório, já era noite, e quando chegou à rua, voltou a sentir-se muito mal, sem forças para ir para casa. Em vez de voltar para o consultório, pois deve ter achado que era tudo nervos! telefonou à Joaquina, companheira na mesma casa, para que a fosse buscar de carro, pois estava sem forças para ir para casa. Tudo estava contra a Marta, a sua grande força para vencer obstáculos, a sua  forte constituição física e a ignorância sobre a doença.
A Marta estava muito mal, mas ninguém se apercebeu disso!
Telefonei-lhe, já tinha ido comprar os medicamentos receitados pelo médico, sentia-se melhor. Sempre que eu lhe telefonava, ela dizia-me que se sentia melhor; penso que era sincera!
Disse-me que o médico a tinha mandado fazer uma radiografia ao tórax, e que lha tinham marcado para a próxima segunda-feira, dia 6. Então, eu disse-lhe que iria para Beja, no Sábado de manhã, passaríamos o fim-de-semana juntas, iríamos fazer a radiografia segunda-feira e depois vínhamos para Massamá, para aí aproveitar os oito dias de férias das frequências.
A Marta insistiu comigo para que eu não fosse, que não valia a pena eu ir e que estava bem sozinha. Eu insisti e ficou combinado que no Sábado de manhã eu chegaria a Beja.
Quinta-feira, dia 2 - Apesar de adoentada e de ter um pouco de febre, penso que nunca ultrapassou os 38º, a Marta continuava a ir às aulas e a estudar. Na aula de Inglês, sentiu-se mal, estava muito branca e quase a desmaiar e pediu à professora que a deixasse sair, para ir comprar uma garrafa de água. A  professora apercebeu-se que ela estava muito mal disposta e perguntou-lhe o que é que ela tinha. A Marta disse-lhe que andava doente e que se sentia muito nervosa, então a professora ofereceu-lhe um calmante, que a Marta tomou e passado pouco tempo já se sentia muito melhor. Todo este mal-estar dava-lhe a ideia errada de que o que tinha eram nervos!
Sexta-feira, 3 - A Marta levantou-se e foi para as aulas. Tinha aula com a Maria Albertina. A Maria viu-a com um aspecto muito abatido e doente e por isso combinaram ir almoçar juntas. Não sei onde almoçaram, sei apenas, que  a Marta comeu carapaus fritos com arroz de tomate e que teve muito prazer na refeição. Depois do almoço, foram a Ferreira do Alentejo ver as obras da casa dos pais da Maria e aí a Marta esteve sempre bem disposta. Subiu e desceu escadas e não manifestou grande cansaço. Pelas 16,30h, pediu à Maria que a fosse levar a casa, a Beja, pois precisava de estudar, e aí ficou o resto do dia.
A amiga Patrícia fazia 21 anos, telefonou-lhe a dar-lhe os parabéns. Contou à Patrícia que andava doente, mas que agora se sentia muito melhor. Disse-lhe que estava à espera da minha visita e que a partir de 2ª feira já estaria em Massamá e aí iriam encontrar-se.
À noite, telefonei-lhe a confirmar que chegaria a Beja cerca das 10h da manhã. Voltou a insistir comigo para que eu não fosse lá cansar-me pois ela estava mais ou menos bem disposta. Não concordei e ficou mais uma vez confirmado que eu iria. Foi a  última vez em que falámos. Eu estava tranquila, pois sentia pela  voz  da Marta que se sentia um pouco melhor.

4 FEVEREIRO 1995 - DIA FATIDICO

Sábado, dia 4 - dia fatídico!

Eu e o Zé levantámo-nos cerca das 7 horas da manhã. Tínhamos combinado com o Tó, irmão da Vina, sairmos de Massamá, bastante cedo, em direcção a Beja. O Tó e o Zé iriam deixar-me a Beja e eles depois seguiam caminho para Amareleja, para irem engarrafar o vinho novo. A manhã estava muito calma e tranquila. Um sol de Inverno iluminava os campos dando-lhes uma serenidade que se transmitia a nós. Estávamos muito bem-dispostos. Havia muito pouco trânsito e os dois carros seguiram sempre próximos um do outro. Parámos no Restaurante A Chaminé, ponto de paragem obrigatório para os viajantes daquelas paragens, bebemos café, apreciámos o sol esplendoroso daquela manhã fria de Fevereiro e retomámos a nossa marcha até Beja. O Tó aproveitou para filmar o recinto do restaurante e a paisagem circundante. Fizemos mais uma hora de caminho e lá estava Beja, com a sua majestosa torre de Menagem e o seu casario branco. Dirigimo-nos através das ruas adormecidas de Beja, para a casa da Marta. Eram 10,30h da manhã. Saímos dos carros, o Tó começou a filmar-me enquanto eu me dirigia para a porta do prédio e tocava à campainha. Aguardei um pouquinho e ouvi a voz ensonada da Marta no intercomunicador:
" Quem é?.... sim...." .
Então eu disse-lhe: " Marta é a mãe, não precisas de descer porque só trago dois sacos!..."
A Marta respondeu-me: "Sim , mãe!"
Voltei a correr para o carro, o Tó conversava com o Zé e filmava. Peguei nos sacos e dispusemo-nos a entrar no prédio. A porta não se abria. Voltei a tocar para a Marta. A campainha tocava, tocava e ela não me respondia, comecei a inquietar-me, mas ao mesmo tempo pensava que talvez ela estivesse na casa de banho. Aqueles segundos pareceram-me horas. Porque é que ela não abre a porta? O que se passa? Perguntava eu ao Zé e ao Tó. Coloquei o dedo na campainha e já bastante assustada não parei de tocar, o meu coração estava apertadíssimo!
O Paulo que dormia no outro quarto, acordou com o toque insistente da campainha e levantou-se. Encontrou a Marta caída em cima do sofá, mesmo à entrada da sala. Abriu-nos a porta, pegou na Marta, sentou-a no seu colo e procurou reanimá-la, baixando-lhe a cabeça. Quando chegámos lá acima, já ia com um mau pressentimento. Entrámos e o Paulo disse-me: "A Marta teve uma quebra de tensão e desmaiou!..." . Cheguei-me ao pé dela, tirei-lhe os cabelos lisos e compridos que lhe escondiam todo o rosto e vi a Marta, com uma expressão terrível, com os olhos vidrados e sem vida, os lábios roxos e uma cor de cadáver. Fiquei assustadíssima! Aquilo não era tensão baixa, o que seria?!...
Deitámo-la no sofá e com o meu desespero de mãe, procurei fazer-lhe desajeitadamente uma  massagem cardíaca com ambas as mãos e a Marta começou a gemer e  a deitar espuma pela boca!... Que desespero! Que momentos tão aflitivos! Peço ao Paulo que chame uma ambulância, com a máxima urgência. A Marta está muito mal. A Marta está muito mal. O Zé e o Tó olhavam atónitos toda a cena. Não me lembro se procuraram ajudar-me, eu chamava a Marta para que ela reanimasse. Os bombeiros apareceram. Não vinha nenhum médico de urgências. Vinha o motorista da ambulância e um rapaz de 18 ou 20 anos sem qualquer preparação. Precisávamos de levar a Marta o mais rápido possível para o hospital. Não houve gritos, não houve barulho. Ninguém teve tempo de se manifestar. Penso que os vizinhos do prédio não se aperceberam do drama terrível que estava a acontecer no 2º andar Esquerdo. Acompanhei a Marta na ambulância. Havia uma máscara de oxigénio que o rapaz procurava pôr na boca da Marta, sem qualquer convicção, a Marta espumava da boca e gemia. Os solavancos da ambulância faziam-me andar aos tombos, parecia-me que iam devagar de mais. Dirigi-me ao motorista e pedi-lhe para irmos mais depressa: "Por favor, vamos mais depressa, a minha filha está muito mal!..."
O homem, mal humorado disse-me: " Não posso ir mais depressa por causa do trânsito!..."
 Mas ouviu o meu pedido, ligou a sirene e com toda a força lá fomos a caminho do hospital.
A Marta deu entrada na sala dos cuidados intensivos do Hospital de Beja, eram cerca das 11,30 horas.
Dispusemo-nos a esperar. Esperar era só o que podíamos fazer. Olhávamos uns para os outros sem encontrarmos resposta às nossas interrogações. A partir do momento em que a Marta entrou nos cuidados intensivos, eu fiquei mais descansada, um pouco mais tranquila. Nunca chorei.
Esperava a todo o momento a chegada do médico dizendo-me que a Marta já tinha reagido e estava bem. " A Marta era a mais saudável, a mais forte, a mais corajosa, nada de mau iria acontecer-lhe! " - pensava eu. E dizia-o ao Zé, ao Tó e ao Paulo. Não nos atrevíamos a fazer quaisquer prognósticos. Nada sabíamos nada do que estava a acontecer, lá dentro, naquela sala onde entrara a Marta.
Começámos a achar que o tempo tinha parado. Ninguém nos vinha dizer nada, ninguém se nos dirigia. Ao fim de bastante tempo, o médico mandou-nos chamar, a mim e ao Zé, e disse-nos que a Marta estava muito mal, que não reagia aos tratamentos e que estavam sem esperanças de a salvar. Deixaram-nos ficar no gabinete ao lado da sala onde estava a Marta. Aí comecei a perceber que a situação era gravíssima. Ninguém, nem médicos nem nós, sabia dentro daquele hospital qual a doença que vitimava a Marta. Propus levarmos a Marta de helicóptero para Lisboa, disseram-me que não valia de nada. Penso que nesse momento a Marta já estaria morta.
O médico de serviço disse-me que por duas vezes a Marta reagiu aos tratamentos, mas por breves segundos, e que ainda conseguiu dizer que tinha uma dor muito forte no pulmão. Na sala ao lado eu ouvia os médicos a chamarem-na, gritando o seu nome "Marta! ... Marta!..." , mas a Marta já não reagia a esses chamamentos.
Uma enfermeira veio ter comigo e disse: - " Se acredita em Deus, reze, só um milagre pode salvar a sua filha!..." Agradeci-lhe, mas não encontrei palavras para rezar a Deus! Ele tão poderoso, consente que uma jovem, linda, boa, meiga, sem vícios, que adorava viver e adorava a vida, morra ?!
Não encontro palavras para Lhe dirigir. Viro-me para a parede da sala onde está a Marta e com as mãos na ombreira da porta fechada, falo-lhe muito baixinho e digo-lhe: "Marta, eu estou aqui, eu estou a dar-te a minha força, Marta a mãe está aqui, por favor não partas!... e repito, com toda a minha convicção: "Força Marta, Força.... Força....Marta… Força!!" . Sinto-me impotente. Sinto que a Marta se me escapa. Sinto que ela está morta. Não choro alto, não grito, não tenho nada para dizer ou fazer. Estou vazia, parada, em choque.
Vêm perguntar-me se quero um calmante, tomo-o e aguardo que venham ter comigo. Estou de mãos dadas com o Zé. Precisamos da força de ambos para aguentarmos este momento tão terrível. Não falamos. Esperamos. Há um grande silêncio à nossa volta. O Paulo vem até junto de nós. Ficamos todos juntos no corredor. A porta abre-se e o médico diz-nos :- " A Marta está morta! Não podemos fazer mais nada. Podem entrar!..."
Eu estou atónita, eu não quero ouvir aquelas palavras horríveis, olhamo-nos incrédulos e de repente o Paulo transborda toda a sua raiva, dá um murro enorme na porta da frente, que fica com um buraco enorme e sai a correr do hospital. Ainda corro atrás dele, mas como ele sai para a rua, fico ali, digo ao Tó que a Marta morreu e que vá dar apoio e assistência ao Paulo que está completamente desnorteado. Volto de imediato para dentro e entro na sala onde está o corpo nu, lindo da Marta. Tudo nos parece irreal, tudo nos parece uma mentira. Choro. O Zé chora a meu lado. Há médicos e enfermeiros na sala e todos choram a Marta. Olho incrédula. Vêm ter comigo para me consolar. Eu pergunto-lhes se têm a certeza de que a Marta está morta? abanam a cabeça a confirmar. Aproximo-me da Marta, está gelada, está nua e o seu corpo esbelto de jovem de 21 anos jaz ali. Mexo-lhe, massajo-a, seguro-lhe nas mãos habilidosas e bonitas, beijo-a e não percebo o que estou ali a fazer. Quero acreditar no que me disseram, "A Marta está morta", mas não consigo acreditar, no meu cérebro tudo está em turbilhão. Perco a noção do tempo. Estamos ali há muito pouco tempo. Não há nada que eu possa fazer ali. Olhamos, vieram com um lençol verde, e tampam-na. Eu e o Zé mexemos na nossa filha tapada com um lençol verde. Ao fim de algum tempo, dizem-me que a Marta tem que ser levada dali. Para onde?!Pergunto. Respondem-me secamente: - Para a Morgue!
Que momentos terríveis estamos a viver! a realidade é tão brutal, que nos parece um pesadelo. Levam a Marta. Vejo-a a ser levada. Vai numa maca empurrada por um maqueiro. Ficamos sós. Olham-nos. Olhamo-nos vazios. Há muita pena nos olhos das pessoas. Olhamos sem ver. Precisamos de sair dali, daquele pesadelo!
São 14horas da tarde! Cá fora, sentimo-nos perdidos. Como podemos deixar que a nossa filha morresse dentro daquele hospital?! Como??? Quando ali entrei eu tinha tantas esperanças! Três horas foram suficientes para destruírem uma família. A Marta partiu, para sempre. O Sol encandeia-nos. A tarde soalheira de Inverno está amena e tranquila. Como a Marta gostava dos dias de Sol. Nunca mais verá o Sol, as árvores, os pássaros.
Dirigimo-nos para o carro, entramos, fechamos as portas e ficamos parados, somos autómatos! Precisamos de sair dali, mas uma força misteriosa obriga-nos a ficar. Vamo-nos embora sem a nossa filha? Como pode isso acontecer?
Partimos daquele local tão cruel.
Vamos para a casa da Marta, não temos outro sítio para onde ir. Ali tudo nos lembra a Marta. Choramos, choramos muito. Olhamos a casa. O quarto, com a cama ainda com a marca do seu corpo. As suas coisas, os seus livros, o seu cheiro reinam por toda a casa.
A cama está aberta como ela a deixou, quando saiu da cama a correr para me abrir a porta, a mim e à morte! No parapeito da janela há um copo de iogurte vazio, com uma colher e meia banana que a Marta comeu ao deitar.
Ao lado, na mesa redonda estava o dossier aberto, com apontamentos e a esferográfica em cima, indicando que o sono fora mais forte e que o estudo ficara em meio.
Vamos conseguir resistir a tão grande desgosto? Precisamos de avisar a família e os amigos. É importante que eles saibam o que se está a passar.


Tribunal Judicial da Comarca de Beja
Serviço do Ministério Público

Conc 9-5-95

Resulta dos autos que no dia 4 de Fevereiro de 1995 Marta Varela Andrade Rodrigues Baleiro, (id- fl. 2), faleceu no Hospital Distrital de Beja, tendo sido comunicada a sua morte por este hospital - fls. 10 a 12 e 2.
Efectivada a autópsia resulta que a causa da sua morte se ficou a dever a edema pulmonar, conforme relatório de autópsia de fls. 6.
Foi efectuada recolha de vísceras para realização de exames toxicológicos, tendo os mesmos resultado negativos - fls. 16.
Aprovado que se mostra a causa da morte não resulta dos autos qualquer outra diligência útil a realizar no seu âmbito atendendo ao facto de que a sua morte se fica a dever ao referido edema pulmonar e não haver quaisquer suspeitas mínimas de crime relacionado com a mesma.
Nesta conformidade, declaro encerrado o presente inquérito e determino o seu arquivamento, nos termos do disposto no artº 2777, nº1 do C.P.P.
Cumpra-se o artº277ª, nº3, C.P.P. na pessoa do pai da falecida - fls.13

Assinatura ilegível